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quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Á Toa

O Primeiro Homem
Que lindo mundo! E eu só! Que tortura tamanha!
Ninguem! Meu pae é o céu. Minha mãe é a montanha.

A Montanha
Os meus cabellos são os pinheiraes sombrios
E veias do meu corpo os azulados rios.

Os Rios
Nós somos o suor que o Estio asperge e sua,
Nós somos, em Janeiro, a agoa-benta da Lua!

A Lua
Eu sou a bala, no Ar detida, d'essa guerra
Que teve contra Deus, em seu principio, a Terra...

A Terra
E eu uma das maçãs, entre outras a primeira,
Que certo Virgem viu cair d'uma macieira!

A Macieira
Tantas ainda por cair! Vinde colhel-as!
Abanae a macieira e cairão estrellas!

A Estrellas
No mar, á noite, reflectimo-nos, a olhar,
E formamos, assim, as Estrellas-do-mar...

O Mar
Sou padre. São d'agoa meus Santos-Evangelhos:
Accendei meu altar, relampagos vermelhos!

Os Relampagos
Nós somos (o contrario, embora, seja escripto)
Os fogos-tátuos d'esta cova do Infinito...

O Infinito
Sou o mar sem borrasca, onde emfim se descança.
Aqui, vem desagoar o rio da Esperança...

A Esperança
Morri, irmãos! mas lá ficaram minhas vestes,
No vosso mundo: dei-as dadas aos cyprestes.

Os Cyprestes
Para apontar os céus, como dedos funereos,
Plantaram-nos no pó dos mudos cemiterios...

Os Cemiterios
Porão, beliches, tudo cheio!... Os céus absortos!
Não cabe em Josaphat esta leva de mortos!

Os Mortos
Seculos tombam uns sobre outros, como blocos,
E nós dormindo sempre, eternos dorminhocos!

António Nobre


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