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segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Balada do Amor através das Idades

Eu te gosto, você me gosta desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana, troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau para matar seu irmão.
Matei, brigámos, morremos.

Virei soldado romano, perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo, dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.

Depois fui pirata mouro, flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata onde você se escondia
da fúria de meu bergantim.
Mas quando ia te pegar e te fazer minha escrava,
você fez o sinal-da-cruz e rasgou o peito a punhal...
Me suicidei também.

Depois (tempos mais amenos) fui cortesão de Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira...
Pulei muro de convento mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.

Hoje sou moço moderno, remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável, boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias, eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Alguma Poesia'

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