Desabafo dum amigo, que não encontra justificação
para o seu pecado
mortal, que é viver.
Viver ao sol, gratuitamente, como um lagarto.
Respondi-lhe que a maravilha da vida é tudo nela ter justificação.
É, da
mais rasteira erva ao mais nojento bicho, não haver presença
no mundo
que não seja necessária e insubstituível.
Que, do contrário, era faltar
na terra esta admirável plurivalência,
que faz de uma tarde de sol, de
trigo e de cigarras o mais
assombroso espectáculo que se pode ver.
O
medir depois a distância que vai da formiga ao leão,
da urtiga ao
castanheiro, de Nero a S. Francisco de Assis,
é uma casuística que não
tem nada que ver com a torrente
de seiva que inunda o mundo de pólo a
pólo.
Foi-se, e à tarde apareceu-me com um belo poema.
Miguel Torga, in "Diário (1938)"

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