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sábado, 30 de maio de 2020

Arrumar os mortos

É preciso que compreendam:
nós não temos competência
para arrumarmos os mortos
no lugar do eterno.
Os nossos defuntos desconhecem
a sua condição definitiva:
desobedientes, invadem-nos o
quotidiano, imiscuem-se do
território onde a vida deveria
ditar sua exclusiva lei.
A mais séria consequência
desta promiscuidade é que a
própria morte, assim desrespeitada
pelos seus inquilinos, perde o
fascínio da ausência total.
A morte deixa de ser a mais incurável
e absoluta diferença entre os seres.

Mia Couto, 
in 'Cada Homem é uma Raça'

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