Hoje a pergunta com que nos confrontamos é simples: estamos nós
realmente salvando o mundo?
Não me parece que a resposta possa ser
aquela que gostaríamos.
O mundo só pode ser salvo se for outro, se esse
outro mundo nascer em nós e nos fizer nascer nele.
Mas nem o mundo está sendo salvo nem ele nos salva enquanto seres de
existência única e irrepetível.
Alguns de nós estarão fazendo coisas que
acreditam ser importantíssimas.
Mas poucos terão a crença que estão
mudando o nosso futuro.
A maior parte de nós está apenas gerindo uma
condição que sabemos torta, geneticamente modificada
ao sabor de um
enorme laboratório para o qual todos trabalhamos mesmo sem vencimento.
Se alguma coisa queremos mudar e parece que mudar é preciso, temos que
enfrentar algumas perguntas.
A primeira das quais é como estamos nós,
biólogos, pensando a ciência biológica?
Antes de sermos cientistas somos
cidadãos críticos, capazes de questionar os pressupostos
que nos são
entregues como sendo «naturais».
A verdade, colegas, é que estamos hoje
perante uma natureza muito pouco natural.
E é aqui que o pecado da preguiça pode estar ganhando corpo.
Uma
subtil e silenciosa preguiça pode levar a abandonar a
reflexão sobre o
nosso próprio objecto de trabalho.
Aos poucos cedemos ao comité de não
mais colocarmos
em causa quem somos, o que sabemos, o que fazemos.
As
últimas décadas tenderam a tecnicizar as ciências biológicas.
De novo,
insistem connosco em que as soluções virão de sofisticadas tecnologias e
de que pouco
vale questionarmos os desafios políticos e sociais do
nosso tempo.
À força de termos que sobreviver vamos aceitando encaixes,
ofertas e arranjos.
A ideia de que não vale a pena tentar uma outra
utopia conduz à acomodação
e ao conformismo intelectual.
A própria ideia de Ciência que nos parece isenta e acima de toda a
suspeita é uma ideia tão
exclusivista que pode ser entendida como uma
ideia gulosa.
Gulosa e glutona.
Engorda não por comer mas por fazer
dieta.
E essa dieta consiste em ignorar outras sabedorias, outros
sistemas de conhecimento.
Mia Couto, in 'Pensatempos'
Sem comentários:
Enviar um comentário