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domingo, 3 de maio de 2020

Produzimos uma Cultura de Devastação

Todos os anos exterminamos comunidades indígenas, 
milhares de hectares de florestas e até inúmeras 
palavras das nossas línguas. 
A cada minuto extinguimos uma espécie de aves 
e alguém em algum lugar recôndito contempla 
pela última vez na Terra uma determinada flor. 
Konrad Lorenz não se enganou ao dizer que somos 
o elo perdido entre o macaco e o ser humano. 
Somos isso, uma espécie que gira sem encontrar 
o seu horizonte, um projecto por concluir. 
Falou-se bastante ultimamente do genoma 
e, ao que parece, a única coisa que nos distancia 
na realidade dos animais é a nossa capacidade de esperança. 
Produzimos uma cultura de devastação baseada 
muitas vezes no engano da superioridade das raças, 
dos deuses, e sustentada pela desumanidade 
do poder económico. 
Sempre me pareceu incrível que uma sociedade 
tão pragmática como a ocidental tenha deificado coisas 
abstractas como esse papel chamado dinheiro 
e uma cadeia de imagens efémeras. 
Devemos fortalecer, como tantas vezes disse, a tribo da sensibilidade... 

José Saramago, Textos in 'Revista Universidad de Antioquia (2001)'

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