Durante muito tempo dissemos que a competição e a eliminação
dos mais
fracos eram o motor da evolução natural.
Sem querer, demos crédito à
chamada lei do mais forte.
Sancionamos o pecado da ira dos poderosos no
extermínio dos chamados fracos.
Sabemos hoje que a simbiose é um dos
mecanismos mais poderosos de evolução.
Mas deixámos que isso ficasse no
esquecimento.
E continuamos ainda hoje vasculhando exemplos
isolados de
simbiose quando a Vida é toda ela
um processo de simbiose global.
Sabemos hoje que a capacidade de criar diversidade
foi o mais importante
segredo da nossa época como
espécie que se adaptou e sobreviveu.
No
entanto, vamo-nos contentando com o estatuto que
a nós mesmos
conferimos: o sermos a espécie «sabedora».
Alimentámo-nos de receios e essa
será mais uma manifestação da gula.
Temos medo de errar.
Esse medo leva à proibição de experimentar outros
caminhos,
sufocados pelo cientificamente correcto, pelo estatisticamente
provado, pelo laboratorialmente certificado.
Deveríamos ser nós,
biólogos, a mostrar que o erro
é um dos principais motores da evolução.
A
mutação é um erro criativo que funciona,
um erro que fabrica a
diversidade.
Os avanços no domínio do conhecimento
fazem-se através de caminhos
paradoxais.
A nossa ciência, sendo da vida, fez-se também
por estradas
da morte: a biologia sacrificou a planta
para a herborizar, matou o
bicho para o dissecar,
laminou a célula para a mergulhar nos solventes
e
espreitá-la sob a lente do microscópio.
Mas há outros modos de matar.
Não matar o objecto do conhecimento
mas o próprio conhecimento.
Um
desses modos de aniquilar é aprisionar em conceitos
estreitos essa
infinita complexidade a que damos o nome de Vida.
Mia Couto, in 'Pensatempos'
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