Nem paz nem felicidade se recebem dos
outros nem aos outros se dão.
Está-se aqui tão sozinho como no nascer e no morrer;
como de um modo geral no viver, em que a única
companhia possível é a daquele Deus a um tempo
imanente e transcendente e a dos que neles estão,
a de seus santos.
Felicidade ou paz nós as construímos ou destruímos:
aqui o nosso livre-arbítrio supera a fatalidade do
mundo físico e do mundo do proceder e toda a
experiência que vamos fazendo, negativa mesmo
para todos, a podemos transformar em positiva.
Para o fazermos, se exige pouco, mas um pouco
que é na realidade extremamente difícil e que
não atingiremos nunca por nossas próprias forças:
exige-se de nós, primacialmente, a humildade;
a gratidão pelo que vem, como a de um ginasta
pelo seu aparelho de exercício; a firmeza e a serenidade
do capitão de navio em sua ponte, sabendo que
o ata ao leme não a vontade de um rei, como nos
Descobrimentos, mas a vontade de um rei de reis,
revelada num servidor de servidores; finalmente,
o entregar-se como uma criança a quem sabe o caminho.
De qualquer forma, no fundo de tudo, o que há é um acto
de decisão individual, um acto de escolha;
posso ser, se tal me agradar, infeliz e inquieto.
Agostinho da Silva, in 'Textos e Ensaios Filosóficos'

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