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quarta-feira, 10 de junho de 2020

Mia Couto (citações I)

A diferença entre a Guerra e a Paz é a seguinte:
na Guerra, os pobres sâo os primeiros a serem mortos;
na Paz, os pobres são os primeiros a morrer.
Para nós, mulheres, há ainda uma outra diferença:
na Guerra, passamos a ser violadas por quem não conhecemos

As nossas estradas já tiveram a timidez dos rios

e a suavidade das mulheres.
E pediam licença antes de nascer.
Agora, as estradas tomam posse da paisagem e estendem as suas
grandes pernas sobre o Tempo, como fazem os donos do mundo

Sorte a dos que, deixando de ser humanos, se tornam feras.

Infelizes os que matam a mando de outros e mais infelizes
ainda os que matam sem ser a mando de ninguém.
Desgraçados, enfim, os que, depois de matar, se olham ao
espelho e ainda acreditam serem pessoas.

Eis a armadilha da glória: quanto maior for a vitória,

mais o herói será perseguido e cercado pelo passado.
Esse passado devorará o presente.
Não importa quantas condecorações recebeu ou venha a receber:
a única medalha que, no final, lhe irá sobrar é a triste e fatal solidão.

Diz a mãe: a vida faz-se como uma corda.

É preciso trançá-la até não distinguirmos os fios dos dedos.

A estrada é uma espada.

A sua lâmina rasga o corpo da terra.
Não tarda que a nossa nação seja um emaranhado de cicatrizes,
um mapa feito de tantos golpes que nos orgulharemos mais das
feridas que do intacto corpo que ainda conseguimos salvar.

Mia Couto (citações)



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