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segunda-feira, 15 de junho de 2020

Os Animais carnívoros

Herberto Helder
Dava pelo nome muito estrangeiro de Amor, 
era preciso chamá-lo sem voz - 
difundia uma colorida multiplicação de mãos, 
e aparecia depois todo nu escutando-se a si 
mesmo, e fazia de estátua durante um parque 
inteiro, de repente voltava-se e acontecera 
um crime, os jornais diziam, ele vinha em 
estado completo de fotografia embriagada, 
descobria-se sangue, a vítima caminhava 
com uma pêra na mão, a boca estava
impressa na doçura intransponível da pêra, 

e depois já se não sabia o que fazer, ele era 
belo muito, daquela espécie de beleza repentina 
e urgente, inspirava a mais terrível acção 
do louvor, mas vinha comer às nossas mãos, 
e bastava que tivéssemos muito silêncio para isso, e então os dias 
cruzavam-se uns pelos outros  e no meio habitava uma montanha intensa, 
e mais tarde às noites trocavam-se e no meio o que existia agora era uma 
plantação de espelhos, o Amor aparecia e desaparecia em todos eles, 
e tínhamos de ficar imóveis e sem compreender, porque ele era uma 
criança assassina e andava pela terra com as suas camisas brancas 
abertas, as suas camisas negras e vermelhas todas desabotoadas.

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