loading...

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Os homens gloriosos

Sentei-me sem perguntas à beira da terra,
e ouvi narrarem-se casualmente os que passavam.
Tenho a garganta amarga e os olhos doloridos:
deixai-me esquecer o tempo,
inclinar nas mãos a testa desencantada,
e de mim mesma desaparecer,
— que o clamor dos homens gloriosos
cortou-me o coração de lado a lado. 


Pois era um clamor de espadas bravias,
de espadas enlouquecidas e sem relâmpagos,
ah, sem relâmpagos...
pegajosas de lodo e sangue denso. 


Como ficaram meus dias, e as flores claras que pensava!
Nuvens brandas, construindo mundos,
como se apagaram de repente! 


Ah, o clamor dos homens gloriosos
atravessando ebriamente os mapas! 


Antes o murmúrio da dor, esse murmúrio triste e simples
de lágrima interminável, com sua centelha ardente e eterna. 


Senhor da Vida, leva-me para longe!
Quero retroceder aos aléns de mim mesma!
Converter-me em animal tranquilo,
em planta incomunicável,
em pedra sem respiração. 


Quebra-me no giro dos ventos e das águas!
Reduz-me ao pó que fui!
Reduz a pó minha memória! 


Reduz a pó a memória dos homens, escutada e vivida... 


Cecília Meireles, in 'Mar Absoluto'

1 comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Cecília Meireles sintetiza um dos preceitos Kardecista na penúltima estrofe,''o princípio inteligente dorme no mineral,sonha no vegetal,agita no animal e desperta no hominal''.