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sábado, 27 de abril de 2019

Velho Diário

Folheou páginas dos pecados e elas sorriram desavergonhadas. 
Os rabiscos quase apagados jogaram-lhe na face o ardor de mil 
beijos escondidos sob os mantos das árvores. 
Enquanto inocentes cinderelas retornavam dos encantos e magias 
em horas determinadas ela fugia, descalça e de camisola assanhada, 
dos guardiões da pureza e candura. 
Liberta, sob o olhar feiticeiro da lua, percorria a noite enquanto 
o chão era feito de sombras de folhas rendadas. 
O vento aqui e acolá assoviava alcovitando os momentos furtivos. 
Era ela, cega aos perigos, tão espevitada, recusava pureza, 
fitas e laços, soltando os cabelos para o vento bolinar, sempre 
rumando para o que lhe atiçava emoção. 
Os olhos tremeram quando as páginas se despiram e ela reviu um 
corpo quente em bronze luzidio, dentes alvos e lábios polpudos. 
O olhar de um mar noturno em tempestade trazia a nau para misteriosas viagens. 
Navegava no momento como um rodopio de valsa. 
A paixão flutuava numa dança de pecado - Foi pecado? 
- As páginas tremem, interrogando-a neste patamar do tempo e mostram 
também seu retorno sorrateiro, no primeiro raio da aurora, para o calor dos lençóis 
e do travesseiro que nunca cansaram de ouvir suas confidências e preces 
para que suas travessuras não fossem descobertas. 
Pedia perdão aos céus, com a promessa de não cometer de novo – mas tudo se repetia, 
pois uma voz sempre exigia sussurrando-lhe no coração: se o sabor tem o doce 
néctar da flor, para que pedir perdão se esses pecados são feitos de amor? 
- Leu e releu por um bom tempo o versinho grifado e fechou o velho diário, 
sem remorsos, deixando dormir as páginas amarelecidas de insubordinação. 

Mary Santos

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