1
"Não sei perder minha vida"
Não sei qual a minha culpa mas, peço perdão.
A luz do farol revelou-os tão rapidamente que não puderam ver.
Peço perdão por não ser uma "estrela" ou o "mar"ou por não ser alegre
mas coisa que se dá.
Peço perdão por não saber me dá nem a mim mesma,
para me dar desse modo a minha vida se fosse preciso
mas, peço de novo perdão
não sei perder minha vida.
2
...Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a cada dele, e é.
trata-se de um cavalo preto e lustoso que apesar de inteiramente selvagem
- pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela -
apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura
primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão.
Seu focinho é úmido e fresco.
eu beijo o seu focinho.
quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito.
a menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha
medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave.
aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome.
ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai.
se ele fareja e sente um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e ai.
aviso também que não se deve temer seu relinchar:
a gente se engana e pensa que é a gente mesma que
está relinchando de prazer ou de cólera, a gente se assusta
com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez.
Clarice Lispector
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