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sábado, 29 de junho de 2019

O Amor, Meu Amor

Moçambique
n. 5 Jul 1955
Escritor/Biólogo
Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo. 


Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer. 


 


E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu. 


E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida. 


Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida. 


Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera. 


Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti. 


E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu. 


E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde tombar. 


Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar. 


Mia Couto, in "idades cidades divindades"