Para Cândido Portinari
Vejo sangue no ar, vejo o piloto que levava uma flor
para a noiva,
abraçado com a hélice.
E o violinista em que a morte acentuou a palidez,
despenhar-se com sua cabeleira negra e seu estradivárius.
Há mãos e
pernas de dançarinas arremessadas na explosão.
Corpos irreconhecíveis
identificados pelo Grande Reconhecedor.
Vejo sangue no ar, vejo chuva de
sangue caindo nas nuvens
batizadas pelo sangue dos poetas mártires.
Vejo a nadadora belíssima, no seu último salto de banhista,
mais rápida
porque vem sem vida.
Vejo três meninas caindo rápidas, enfunadas,
como
se dançassem ainda.
E vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que
ela pensou
ser o paraquedas, e a prima-dona com a longa cauda de
lantejoulas riscando o céu como um cometa.
E o sino que ia para uma
capela do oeste, vir dobrando
finados pelos pobres mortos.
Presumo que a
moça adormecida na cabine ainda vem
dormindo, tão tranqüila e cega!
Ó
amigos, o paralítico vem com extrema rapidez, vem
como uma estrela
cadente, vem com as pernas do vento.
Chove sangue sobre as nuvens de
Deus.
E há poetas míopes que pensam que é o arrebol.
Jorge de Lima. Poesia completa.
Rio de Janeiro, Nova Fronteira
Sem comentários:
Enviar um comentário