loading...

sexta-feira, 5 de julho de 2019

O Grande Desastre Aéreo de Ontem

Para Cândido Portinari

Vejo sangue no ar, vejo o piloto que levava uma flor 
para a noiva, abraçado com a hélice. 
E o violinista em que a morte acentuou a palidez, 
despenhar-se com sua cabeleira negra e seu estradivárius. 
Há mãos e pernas de dançarinas arremessadas na explosão. 
Corpos irreconhecíveis identificados pelo Grande Reconhecedor. 
Vejo sangue no ar, vejo chuva de sangue caindo nas nuvens 
batizadas pelo sangue dos poetas mártires. 
Vejo a nadadora belíssima, no seu último salto de banhista, 
mais rápida porque vem sem vida. 
Vejo três meninas caindo rápidas, enfunadas, 
como se dançassem ainda. 
E vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que ela pensou 
ser o paraquedas, e a prima-dona com a longa cauda de 
lantejoulas riscando o céu como um cometa. 
E o sino que ia para uma capela do oeste, vir dobrando 
finados pelos pobres mortos. 
Presumo que a moça adormecida na cabine ainda vem 
dormindo, tão tranqüila e cega! 
Ó amigos, o paralítico vem com extrema rapidez, vem 
como uma estrela cadente, vem com as pernas do vento. 
Chove sangue sobre as nuvens de Deus. 
E há poetas míopes que pensam que é o arrebol.

Jorge de Lima. Poesia completa. 
Rio de Janeiro, Nova Fronteira

Sem comentários: