De dia não se via nada, mas p'la tardinha já se apercebia
gente que
vinha de punhaes na mão, devagar, silenciosamente,
nascendo dos
pinheiros e morrendo nelles.
E os punhaes não brilhavam: eram luzes
distantes, eram guias
de lençoes de linho escorridos de hombros
franzinos.
E a briza que vinha dava gestos de azas vencidas aos lençoes
de linho, azas brancas de garças caídas por faunos caçadores.
E o vento
segredava por entre os pinheiros os mêdos que nasciam.
E vinha vindo a Noite por entre os pinheiros, e vinha descalça
com pés
de surdina por môr do barulho, de braços estendidos
p'ra não topar com
os troncos; e vinha vindo a noite céguinha
como a lanterna que lhe
pendia da cinta. E vinha a sonhar.
As sombras ao vê-la esconderam os
punhaes nos peitos vazios.
A lua é uma laranja d'oiro num prato azul do Egypto
com perolas
desirmanadas.
E as silhuetas negras dos pinheiros embaloiçados na briza
eram um bailado de estatuas de sonho em vitraes azues.
Mãos ladras de
sombra leváram a laranja, e o prato enlutou-se.
Por entre os pinheiros esgalgados, por entre os pinheiros
entristecidos,
havia gemidos da briza dos tumulos, havia
surdinas de gritos distantes -
e distantes os ouviam os
pinheiros esgalgados, os pinheiros gigantes.
A briza fez-se gritos de pavões perseguidos.
E as sombras em danças macabras fugiam
fumo dos pinheiraes p'lo meu respirar.
Escondidas todas por detraz de todos os pinheiros,
chocam-se nos ares os
punhaes acêsos.
Faz-se a fogueira e as bruxas em roda rezam a gritar
ladainhas da Morte.
Veem mais bruxas, trazem alfanges e um caixão.
Doem-me os cabellos, fecham-se-me os olhos e quatro anjos
levam-me a
alma...
Mas a cigarra em algazarra de alêm do monte vem dizer-me
que
tudo dorme em silencio na escuridão.
Veiu a manha e foi como de dia: não se via nada.
Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1'
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