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terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Ciumes

Pierrot dorme sobre a relva junto ao lago. 
Os cisnes junto d'elle passam sêde, não n'o acordem ao beber. 

Uma andorinha travêssa, linda como todas, avôa brincando 
rente á relva e beija ao passar o nariz de Pierrot. 
Elle accorda e a andorinha, fugindo a muito, olha de medo 
atraz, não venha o Pierrot de zangado persegui-la pelos campos. 
E a andorinha perdia-se nos montes, mas, porque elle se queda, 
de nôvo volta em zig-zags travêssos e chilreios de troça. 
E chilreia de troça, muito alto, por cima d'elle. 
Pierrot já se adormecia, e a andorinha em descida que faz calafrios 
pousou-lhe no peito duas ginjas bicadas, e fugiu de nôvo. 

De contente, ergueu-se sorrindo e de joelhos, braços erguidos,
 seus olhos foram tão longe, tão longe como a andorinha fugida 
nos montes. 

De repente viu-se cego - os dedos finissimos da Colombina 
brincavam com elle. 
Desceu-lhe os dedos aos labios e trocou com beijos o arôma 
das palmas perfumadas. 
Depois dependurou-lhe de cada orelha uma ginja, 
á laia de brincos com joias de carmim. 
Rolaram-se na relva e uniram as boccas, 
e já se esqueciam de que as tinham juntas... 

- Sabes? Uma andorinha... 

E foram de enfiada as graças da ave toda paixão. 
Pierrot contava enthusiasmado, olhando os montes 
ainda em busca da andorinha, e Colombina torceu 
o corpo numa dôr calada e tomou-lhe as mãos. 


Havia na relva uma máscara branca de dôr, 

e a lua tinha nos olhos claros um olhar triste que dizia: 
Morreu Colombina! 

Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1'

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