Se estás disposto a nunca usar da violência,
e sempre resistindo, torna-te forte de corpo e de alma;
é a mais difícil de todas as atitudes; exige a constante
vigilância de todos os movimentos do espírito, o domínio
completo de todos os impulsos dos nervos e dos
músculos rebeldes; a agressão é fácil contra o medo
e também a primeira solução; para que, em todos os
instantes, a possas pôr de lado e substituí-la pela
tranquila recusa, não te deves fiar nos improvisos;
a armadura de que te revestes nos momentos de
crise é forjada dia a dia e antes deles; faz-se de
meditação e de ginástica, de pensamento definido
e preciso e de perfeitos comandos; quando menos
se prevê surge o instante da decisão; rápida e firme,
sem emoções ou sufocando-as, tem que trabalhar
a máquina formada.
Que trabalhar, sobretudo, humanamente;
a visão do autómato é a pior de todas para os amigos
do espírito; não serão teus elementos nem a secura,
nem a estóica dureza, nem o ar superior, nem as
cortantes palavras; requere-se no inabalável a humanidade,
o sorriso afectuoso, a íntima bondade, a desportiva calma,
amiga do adversário, de quem joga um bom jogo;
sozinho guardarás as lutas interiores que tens de suportar,
a batalha contínua para impores o silêncio aos instintos
de ataque e da vingança; será tua boa auxiliar a pele dura
e uma carne que, domada, suporte, sem revolta, as provações
e os trabalhos; o óleo do ginásio ajuda Marco Aurélio;
quem se adivinha senhor de si melhor resistirá sem violência
a tudo o que inventou a real fraqueza do contrário;
e só tem que se guardar dos perigos da altivez e do desprezo.
Agostinho da Silva, in 'Considerações e Outros Textos'
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