Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade.
A gente
só descobre isso depois de grande.
A gente descobre que o tamanho das
coisas há de ser medido
pela intimidade que temos com as coisas.
Há de
ser como acontece com o amor.
Assim, as pedrinhas do nosso quintal são
sempre
maiores do que as outras pedras do mundo.
Justo pelo motivo da
intimidade.
Mas o que eu queria dizer sobre o nosso quintal é outra
coisa.
Aquilo que a negra Pombada, remanescente
de escravos do Recife,
nos contava.
Pombada contava aos meninos de Corumbá sobre achadouros.
Que eram buracos que os holandeses, na fuga apressada do Brasil,
faziam
nos seus quintais para esconder suas moedas de ouro,
dentro de baús de
couro.
Os baús ficavam cheios de moedas dentro daqueles buracos.
Mas eu
estava a pensar em achadouros de infâncias.
Se a gente cavar um buraco
ao pé da goiabeira do quintal,
lá estará um guri ensaiando subir na
goiabeira.
Se a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará
um
guri tentando agarrar no rabo de uma lagartixa.
Sou hoje um caçador de
achadouros de infância.
Vou meio dementado e enxada às costas a cavar no
meu quintal
vestígios dos meninos que fomos.
Hoje encontrei um baú
cheio de punhetas.
Manoel de Barros, in 'Memórias inventadas
– As Infâncias de Manoel de Barros'
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