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terça-feira, 9 de outubro de 2018

AGOSTINHO DA SILVA


"Um dos grandes males que, a par dos grandes benefícios, trouxe consigo o especialismo foi o de fazer supor a quase todos os homens que só são capazes de um determinado trabalho.
Isto é, que nasceu cada um médico, engenheiro ou servente de obras; contra o que seria de esperar, porquanto aí o espírito criador está mais livre dos aparatos de saber que noutros domínios lhe condicionam o exercício, essa crença ficou de uma forma dominante no que diz respeito às artes.
Ninguém pensa que pintar, modelar ou gravar seja património comum da natureza de homem; 
e que o sejam igualmente a poesia ou a dança: acha-se que são um dom, uma genialidade, e além de tudo raros. 
Olha-se o Renascimento italiano como uma época de monstros, quando na verdade cada um dos homens que nele mais admiramos tinha os mesmos recursos de natureza humana que nós temos. 
O que aconteceu é que devido a circunstâncias que não se repetiram na História, mas que está hoje em nosso poder fazer repetir, eles puderam ter a coragem de se libertar de limitações, de escrúpulos, de antolhos, e se lançaram à suprema aventura de ser o que eram; nós, porém, deitados num novo leito de torturas, nos cortamos naquilo em que sobramos dos estreitos, inadequados padrões de outras idades."


AGOSTINHO DA SILVA
SÓ AJUSTAMENTOS (1962), TEXTOS E ENSAIOS FILOSÓFICOS II,
Âncora Editora, 1999, p.133

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