Tudo quanto é apenas colectivo é desordem.
A ordem vem da composição
individual.
Mas a composição individual para formar em si a ordem
necessita de que esta também se projecte no colectivo.
A expressão do colectivo é o pânico.
O terror só se submete pelo terror.
O pânico tem duas expressões de terror: a centrífuga e a centrípeta.
A
expressão que se desfaz a si mesma e a que permanece estática e se
adentra.
A única maneira de aparentar a ordem no colectivo é manejar o pânico.
Mas como todo o estado psíquico, por mais inteiro que se apresente tende
a
suavizar-se se era violento e a tornar-se violento se era suave, é
necessário para
manter o estado de pânico, que se lhe estabeleçam tantas
modalidades diferentes e
sucessivas que consigam realmente fazer
desviar as atenções da sua insistência.
Porém, este processo não tem
fim.
É o processo da mística colectiva.
Filha do desespero individual, a
mística colectiva não faz alterar a realidade mas
consegue
temporáriamente submeter todos os indivíduos às mesmas circunstâncias.
E
até que se formem as novas élites as místicas colectivas são espera.
Ao vermos os grandes exércitos, reluzentes nas paradas ou disfarçados
com a
própria cor da terra das batalhas, admiramos involuntáriamente
aquela extraordinária
coordenação de movimentos de comando e de
obediência.
Temos uma ideia da ordem e a essa ideia chamaríamos
perfeitamente.
É efectivamente uma ideia da Ordem, o que não é, é a
Ordem.
A Ordem não se estabelece assim por vozes de comando exteriores
mas sim por
pleno assentimento entre os seus próprios obedientes.
A
Ordem é um culto interno.
Contudo, porque são menos os perfeitos
obedientes do que todos aqueles que hão-de
integrar-se na Ordem, assim
vem a necessidade de aparentá-la constantemente.
É indispensável.
Toda a manifestação colectiva tem o seu auge incomparávelmente
menos duradoiro do que o seu letargo secular.
O que é efectivamente permanente e quotidiano é a presença individual
humana, o caso pessoal de cada um de nós.
É esta a única base e o único
fim de toda a sociedade.
Por mais genialidade que se ponha no artíficio colectivo, se este não
visa
imediatamente a raridade de cada um dos seus indivíduos, isto é,
se
o todo colectivo não sabe contar com a maneira pela qual cada
um o
possa servir, em vez de uma estabilidade progressiva teremos
uma
estabilidade aguentada, em permanente eminência de se desunir e
arruinar-se.
Almada Negreiros, in 'Textos de Intervenção'
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